"Dói internar um filho. Às vezes não há outro jeito"

O poeta Ferreira Gullar, pai de dois esquizofrênicos, levanta uma das maiores controvérsias da psiquiatria: o que fazer com doentes mentais em estado grave?
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Quando o escritor Ferreira Gullar publicou em 1999 o poema “Internação”:
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Ele entrava em surto
E o pai o levava de
carro para a clínica
ali no Humaitá numa
tarde atravessada
de brisas e falou
(depois de meses
trancado no fundo
escuro de sua alma)
pai, o vento no rosto
é sonho, sabia?
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Já era um veterano na convivência com doentes mentais. Quem fez a observação sobre o vento foi Paulo, seu filho mais velho, que hoje tem 50 anos. Ele sofre de esquizofrenia, doença caracterizada, entre outras coisas, por dificuldade em distinguir o real do imaginado. Desde os anos 70, Gullar tenta administrar a moléstia. Fazia o mesmo com Marcos, o filho dois anos mais jovem, que também tinha esquizofrenia e morreu de cirrose hepática em 1992. Remédios modernos permitem que pessoas como Paulo passem longos períodos em estado praticamente normal. Sem alucinações, sem agitação, sem agressividade. Mas o tratamento só funciona se o doente tomar os medicamentos antipsicóticos todos os dias e na dose certa. Isso nem sempre acontece. O resultado são os surtos, quando o paciente se torna quase incontrolável. Pode cometer suicídio ou agredir quem está por perto. Nesses momentos, esses doentes costumam precisar de internação. “Dói ter de internar um filho”, diz Gullar, hoje com 78 anos. “Às vezes, não há outro jeito.”
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No Brasil, estima-se que haja 17 milhões de pessoas com algum transtorno mental grave – como esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo. Em algum momento, eles podem precisar de um hospital psiquiátrico. Encontrar uma vaga, porém, tornou-se uma tarefa difícil.
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Nos últimos 20 anos, quase 70% dos leitos psiquiátricos do país foram fechados. Sem conseguir quem os ajude a cuidar dos doentes, pais e irmãos afirmam ter várias dimensões de sua vida pessoal comprometidas, dos compromissos de trabalho às amizades. É o que revela uma pesquisa feita em 2006 em Minas Gerais com 150 famílias com pessoas atendidas nos Centros de Referência em Saúde Mental. Em muitos casos, os doentes em surto fogem sem deixar rastro. Podem acabar embaixo dos viadutos. O aumento da população de rua nas grandes cidades não é fruto exclusivo da desigualdade social. Uma pesquisa feita em 1999 com moradores de rua em Juiz de Fora conclui que 10% deles eram psicóticos sem assistência.
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“As famílias, principalmente as que não têm recursos, não têm mais onde pôr seus filhos”, diz Gullar. “Eles viram mendigos loucos, mendigos delirantes que podem agredir alguém. O Ministério da Saúde tem de olhar para isso.” Gullar decidiu expor publicamente um problema que não é só seu. Nas últimas semanas, escreveu três artigos sobre o assunto em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo. “Não pretendo liderar movimento algum. Sou um cidadão que tem uma tribuna e pode falar sobre o que está errado.”
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Ele afirmou, no primeiro texto, que a campanha contra a internação de doentes mentais é uma forma de demagogia. Foi o suficiente para fazer eclodir uma controvérsia latente. Nos dias seguintes, dezenas de leitores enviaram cartas ao jornal. Representavam dois grupos. O primeiro, em apoio a Gullar, aponta as razões fisiológicas da doença mental e considera que a internação é um instrumento necessário nos momentos de surto.
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O segundo, contra ele, afirma que os doentes devem ser atendidos em Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Nesses locais, o paciente recebe medicação e acompanhamento semanal. A ideia é atendê-lo sem retirá-lo do convívio da família e da comunidade. Para esse grupo, mesmo nos momentos de crise, o doente deve ser atendido nos Caps. Ele passaria alguns dias internado na própria instituição (ou em hospitais comuns, com alas psiquiátricas) e depois voltaria para casa. “O hospital é um lugar de isolamento, funciona como uma prisão. As pessoas vão e não voltam”, diz Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia. “Algumas famílias querem que a pessoa fique internada. É a ideia da instituição como depósito.”
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Gullar se ofende com comentários como esse, que ouve desde o final dos anos 80, quando a reforma psiquiátrica que levou à situação atual começou a ser discutida no Brasil. “Essas pessoas não sabem o que é conviver com esquizofrênicos, que muitas vezes ameaçam se matar ou matar alguém. Elas têm a audácia de fingir que amam mais a meus filhos do que eu.”
(Fonte: 30/05/2009 , http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca, por Cristiane Segatto, Ivan Martins, Andres Vera, Marcela Buscato e Mariana Sanches)

Comentários

Unknown disse…
Meu filho tem transtorno bipolar.quando esta em crise de mania quer ir ora rua beber se joga de cabeca na bebida acredita q ta feliz na rua bebendo nas esquinas dormindo em qualquer lugar sem ao menos fazer sua higiene pessoal e mesmo assim acredita estar certo e que as pessoas ao seu redor estão querendo prender ele. Sempre culpa a familia por tudo q acontece com ele. Me entrego completamente pra ajudar. Mas ando esgotada de ter q ficar vigiando ele. Pois mente até q esta trabalhando para poder ficar na rua. A ultima crise ele chegou a sofrer um acidente de carro completamente embreagado acabou preso no palacio.da policia e mesmo depois.de tudo fomos la buscamos ele para vir pra casa ainda não queria vir queria voltar pra rua isro esta acabando comigo nao sei mais oq fazer levo ao psiquiatra tenho q ficar em.cima dele o tempo.todo mente ao psiquiatra q esta tudo bem.quando na verdade não esta. Estou completamente sem ação. Entao falei para ele q se fosse novamente para as ruas q eu o internaria mesmo sabendo q não é simples assim. Mas acredito q seja minha ultima alternativa antes q aconteça algo pior na rua por ai. Ele tem 24 anos hoje. E tem convicção q eu e o pai dele não prestamos fala para muitas pessoas por ai q quer ficar bem longe de nós como se nós tivessemos culpa do q acontece com ele. Ele não tem discernimento algum. Tudo q começa não termina a cabeça vive vagando se tem um dinheiro joga tudo fora se individa em banco etc...chega uma hora q precisamos tomar uma atitude mais drastica como internacao ou todos ao seu redor acabam enlouquece do por tanto tentar e nada mudar.

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