A questionada organização da loucura
A atual lei antimanicomial, prevê o fechamento dos hospitais psiquiátricos desde 2001, mas essa mudança implica em muitos questionamentos
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Em 2001 foi sancionada no Brasil a lei da Reforma Psiquiátrica que visava o fim dos ‘manicômios’. O objetivo era a desospitalização substituindo a internação por outros sistemas de tratamento mental. Em Umuarama há um hospital, porém muitos da região e do país tiveram suas portas fechadas.
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Esse fechamento implicou em muitos questionamentos. Em algumas cidades, por exemplo, uma vez o hospital fechado muitos doentes mentais tornaram-se mendigos e atualmente vivem em condições de miséria, dormindo sob viadutos. Há os familiares que não têm condições de cuidar de uma pessoa em estado de surto psicótico, e os que abandonam os doentes esquecendo-os nos hospitais públicos, encarcerados por anos. Situação que a lei não permite, mas ainda existe no Brasil, segundo uma declaração feita pelo presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Walter de Oliveira.
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Segundo a lei, um indivíduo pode ser hospitalizado de forma voluntária, involuntária ou compulsória, que é quando há intervenção da Justiça em julgamento. Um ponto de tensão nesse assunto é a periculosidade do doente. Para a justiça, se ele comete atos inumanos consigo mesmo, ele não é uma pessoa perigosa, mas se ele tenta matar outras pessoas, sim. Deste modo, quem muito sofre são os pais.
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Nos Estados Unidos da América (EUA) uma pessoa só pode ser internada voluntariamente, ou seja, se ela assinar. Porém, muitos psicóticos não assumem a doença e se consideram normais, onde a internação seria desnecessária e deste modo, impossível. Assim, o pai não pode advogar por seu filho, ainda que este faça coisas que o processe perante a justiça. Desde que houve a Reforma Psiquiátrica no Brasil – e que ainda está ocorrendo – tiveram de ser criados outros sistemas ambulatoriais, como o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), o Hospital Dia e as internações passaram – pelo menos em tese – a ocorrer em hospitais gerais. Porém, como atender um paciente em surto psicótico em um hospital geral? É essa a pergunta que o psiquiatra e psicoterapeuta Sebastião Maurício Bianco evidencia.
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Tomando como exemplo Umuarama, ele afirma que o problema dessa lei é ela ter sido criada sem uma política universalizada de substituição. Umuarama não possui Caps, que é responsável por atendimentos “mais leves” e que recebe investimento federal. A cidade, além da Comunidade Terapêutica Santa Cruz, possui a Assistência Psicossocial de Umuarama (Apsu), constituída de 30 leitos desvinculados nos 150 do hospital Santa Cruz após a lei vigorada. Bianco, que também é diretor clínico do Santa Cruz, afirma que os hospitais estão sendo extintos pois muitas vezes se tornam um “depósito humano”. Por isso atualmente o interno não pode ficar hospitalizado por mais de 130 dias e após a sua saída deveria ser encaminhado para as chamadas Residências Terapêuticas. Na casa o paciente ganha um salário mínimo do governo e é supervisionado por enfermeiras que o ajudarão na reentrada na sociedade. Mas esse sistema só é possível com a instalação do Caps, que não está funcionando no município. Ao contrario de Umuarama, o psiquiatra revelou que em cidades menores da região o Centro de Atenção está funcionando e realizando a continuação da terapia iniciada.
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No Hospital Santa Cruz, os pacientes fazem terapias ocupacionais, ajudam na limpeza do lugar, servem comida, trabalham com hortaliças, fazem pinturas, bordados, esportes e uma vez por semana é feita uma caminhada nas ruas para os que alcançaram melhorias. Também são desenvolvidas atividades culturais e festivas em datas especiais. Para os que tomam internação por playground, ainda há duras realidades no país que ilustram um triste caminho aos que afundaram no labirinto da inconsciência. Por outro lado, com o fechamento de muitos hospitais, muitos também terão de enfrentar sua loucura nas ruas, sem ninguém que os assuma e os leve para algum lugar seguro e de tranquilidade, a fim de achar uma cura certa, se é que ela existe. Em Umuarama, são poucos os encaminhados ao Santa Cruz por órgãos filantrópicos, os outros, perambulam pelas ruas ou, driblando a própria moléstia, continuam a labutar em serviços informais e muitas vezes sem o vislumbre de uma saída. Muitas vezes acreditam que não há nada de errado, já que não parece também haver nada de certo, senão sentir-se uma peça desencaixada da sociedade. Nesse sentido, a reabilitação oferecida pelos ambulatórios, tem sido a primeira política terapêutica capaz de substituir as internações.
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Causa de internações em Umuarama
Os três maiores motivos de internamento em Umuarama é o Transtorno Bipolar Clássico, Esquizofrenia e dependência de craque.
O Transtorno Bipolar pode ser compreendido, superficialmente, por uma pessoa dividida em dois pólos, onde ela oscila em pensamentos e atitudes maníaco depressivas.
Esquizofrenia, na sua tradução etimológica, quer dizer mente dividida. Divisão essa que é do mundo real e do mundo imaginário, sendo uma complicada doença na maioria das vezes com uma evolução ruim.
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As falhas e os acertos com a lei
Diferentemente da Apsu que é mantida pelo município, o Caps é atendido pela Autorização de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo (Apac). Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, o Caps de Umuarama foi criado no ano passado e já está inativo. O secretário Jorge Mauro Jardim ressaltou, que o ministério público mandava, no início, R$ 30 mil mensais. Hoje, uma vez que se recebe o que produziu, o valor da Apac não chega a cinco mil reais, congelando o investimento num valor improdutivo. O sistema necessitava de um médico psiquiatra, enfermeira especializada em Caps, enfermeiras assistentes, terapeutas ocupacionais e outros. No ano passado quem protagonizava esse sistema era apenas uma assistente social. A Apsu é um serviço ambulatorial, mas o Caps está mais definido como política terapêutica. Atualmente a Secretaria da Saúde faz um estudo de impacto financeiro para tentar reerguer o Caps, anulando a Apsu, pois.
(Fonte: Jornal Umuarama, terça-feira, 19 de Maio, 2009 - 10:09, cidade@ilustrado.com.br)
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